5 Transtornos Mentais mais Frequentes na Pandemia
Há muita preocupação com a saúde mental na rotina da atual pandemia. Veremos quais são alguns dos sintomas e transtornos mentais mais comuns nesse período.
Quando se fala em transtornos mentais muitas vezes nos vêm à mente a ideia de loucura ou de uma doença terrível.
O fato é que um transtorno mental é uma perturbação clínica com implicações significativas na cognição, emoção e/ou comportamento de uma pessoa.
Transtornos mentais estão associados a impactos negativos na vida social, afetiva, além de afetar o trabalho e todas as dimensões da vida de alguém.
Muitas vezes os transtornos mentais têm início silencioso, com a exibição de alguns comportamentos que podemos ignorar por sua baixa intensidade, mas que com o tempo podem aumentar ou se associar a outros sintomas que somados constituem um transtorno mental que pode ser grave ou debilitante.
No contexto da pandemia, quadros de ansiedade, por exemplo, que estão associados a muitos transtornos mentais se agravam e podem provocar crises ou a eclosão de episódios disruptivos na vida de muitas pessoas.
Vamos falar um pouco sobre esse “novo normal” e seu impacto em nossa saúde mental.
O novo normal
Nosso cotidiano carrega possibilidades de diferentes manifestações problemáticas como transtornos mentais e outros sintomas psicológicos menos graves. Desde março de 2020 quando a OMS decretou o alerta mundial para a pandemia do novo coronavírus (COVID-19), muitas mudanças aconteceram em nossas vidas, individual e coletivamente.
No início da pandemia o grande número de casos que necessitavam de internação hospitalar, incluindo cuidados em unidade de terapia intensiva (UTI), bem como a ausência de terapias eficientes como vacinas causaram muita preocupação com relação ao sistema de saúde em diferentes países.
Isso gerou muita apreensão e ansiedade na população em geral por conta do medo de infecção com um vírus mortal sobre o qual ainda não conhecemos muito.
Mesmo contando com vacinas, medidas profiláticas ainda são exigidas em todo mundo, com diferenças regionais.
Diante do “novo normal” muitas pessoas têm experimentado sentimentos de inadequação e outras dificuldades em se adaptar às novas rotinas, desde orientações sobre segurança sanitária até novas rotinas e organizações de trabalho.
A preocupação em manter o emprego, perdas financeiras, aumento de preços de comida e outros artigos essenciais aqui no Brasil, bem como fragilização de vínculos familiares e de outras redes de apoio, como de amigos e colegas de trabalho, também veem impactando nossa saúde mental.
Neste contexto, a ideia de resiliência diante da vida é um fator preponderante para pensarmos na adaptação sadia às novas situações, mais ou menos desafiadoras em si mesmas, que certamente todos enfrentamos em nossas histórias.
Porém, há ocasiões em que os desafios parecem maiores que nossa capacidade de superá-las ou ainda, despertam em nós dificuldades que desconhecíamos até então.
Pequenas adversidades podem se tornar grandes dores de cabeça de uma hora para outra quando nossas emoções, pensamentos ou ações parecem desalinhadas, em desequilíbrio.
Esse descompasso entre nós e o ambiente pode ser um sintoma de que algo dentro de nós não vai tão bem.
Saúde mental na pandemia
Os transtornos mentais não são a única manifestação possível de sofrimento psicológico nesta pandemia.
Sintomas de estresse, ansiedade e depressão vêm sendo identificados na população em geral e, destacadamente, nos profissionais da saúde.
Lidar com restrições e mudanças no cotidiano podem gerar sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva.
Na epidemia de Ebola em 1995 e a epidemia de 2003 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus [SARS]), outro tipo de coronavírus, também tivemos relatos de medo da morte, ansiedade e depressão entre outros sintomas e transtornos mentais.
Pessoas podem se preocupar ao ponto de desenvolverem sintomas obsessivo-compulsivos relacionados à infecção do novo coronavírus, como a verificação repetitiva da temperatura corporal.
O desencontro de informações e disseminação das fake news também contribui para condutas perigosas, negacionismo, ou ainda, sentimentos de estresse por acreditar ter contraído a COVID-19, gerando até mesmo pensamentos e comportamentos compulsivos relacionados ao diagnóstico de hipocondria.
A restrição do contato físico, de conversas face a face também compõe um estressor importante nesse período, exacerbando ou provocando sintomas de ansiedade e depressão.
Para mães, pais e outros cuidadores, o fato de terem mudado sua rotina de trabalho, trabalhando semipresencialmente ou remotamente e não conseguirem prever a duração desta situação, cria estresse e medo, incluindo preocupações sobre as condições de subsistência da família.
Essa situação pode acabar minando a resistência e a paciência de cuidadores, aumentando o risco de violência contra crianças e adolescentes.
Do mesmo modo, o isolamento social mexe com a rotina doméstica, afetando principalmente mulheres que também correm mais risco de sofrer com a violência de seus companheiros.
Outro dado importante é que a sobrecarga de tarefas e consequente fadiga afetam particularmente os trabalhadores da saúde, que ainda têm de lidar com o medo da infecção de si mesmos e de outros, além do medo de agressões de usuários de serviços insatisfeitos ou negacionistas.
Mesmo que não estejam trabalhando na linha de frente ou precisem deixar temporariamente essa função, os profissionais de saúde também podem apresentar sofrimento psíquico em casos de emergências de saúde.
Nesse sentido, surge o fenômeno da "traumatização vicária”, também conhecido como “traumatização secundária”, ou seja, as pessoas que não sofreram traumas diretamente passam a apresentar sintomas psicológicos devido à empatia por quem sofreu o trauma.
Sintomas comuns na pandemia
Como vimos, sintomas tais como estresse, depressão, ansiedade e insônia são comuns em situações estressantes como as promovidas pela atual pandemia, podendo provocar também transtornos mentais.
Sintomas de confusão mental, raiva e estresse pós-traumático também podem ocorrer dependendo da pessoa e contexto. Afinal, cada um de nós tem suas particularidades e modos de reagir diante de situações adversas.
Para ilustrar possíveis consequências da nova realidade pandêmica para nossa dimensão psicológica podemos citar a teoria do ecobiodesenvolvimento segundo a qual em ambientes caóticos ocorre a presença do chamado “estresse tóxico”.
Diferentemente do estresse positivo e do estresse tolerável (categorias da mesma teoria), o estresse tóxico se refere a um nível forte e frequente de estresse, sem a presença de mecanismos de proteção que possam amenizar os efeitos negativos dos eventos estressores, podendo gerar hipervigilância e exaustão nas pessoas que vivem nesses contextos.
O “estresse tóxico” envolve a reação intensa e prolongada frente a adversidades, com efeitos negativos sobre nossa saúde física e mental.
Num contexto de estresse extremo, como na pandemia de COVID-19, as pessoas podem apresentar estratégias mal adaptativas, como tentativas de fuga de um ambiente opressor.
Reações como negação, evitação e o pensamento mágico são formas de se retirar de uma situação estressora que podemos usar no nosso cotidiano e nem nos darmos conta.
Um estudo sobre resiliência de crianças e adolescentes diante da pandemia de COVID-19 na China mostrou que, independente de sexo, os problemas emocionais e comportamentais prevalentes foram os seguintes: distração, irritabilidade, agitação, medo de fazer perguntas sobre a epidemia, desejo de proximidade com familiares.
Jovens tendem a sentir mais ansiedade e depressão nessas situações, e quanto mais tempo por dia se pensa no COVID-19, mais esses sintomas são intensos.
Assim podemos notar que a apreensão com a situação num contexto de incertezas como o da atual pandemia afeta a todos, independente de idade e país em que se esteja.
Devemos ficar atentos e tomar alguns cuidados para amenizar os efeitos mais deletérios e que possam acarretar sintomas ou até mesmo um diagnóstico de transtorno mental.
Alguns cuidados durante a pandemia e/ou o isolamento social
Estamos falando principalmente de transtornos mentais, mas podemos estender nossa preocupação a outras situações que pesam sobre nossa saúde mental.
Fortalecer conexões com outras pessoas que façam ou possam constituir um tipo de rede de apoio durante o isolamento social é importante.
Ainda que os contatos não ocorram face a face, considerando que instituições como escolas, comércios, empresas e igrejas possam se manter fechados, manter-se socialmente ativo pode combater sentimentos de solidão e vulnerabilidade.
Outro cuidado possível é evitar a exposição excessiva a informações, incluindo noticiários na televisão e em outras mídias, além de checar a veracidade das notícias recebidas.
Medidas simples para manter a estrutura e organização do ambiente doméstico são importantes, a fim de evitar um ambiente caótico e estressor e oferecer suporte e segurança especialmente às crianças.
Para esse fim você pode manter rotinas com horários para tarefas no ambiente doméstico, e também dividí-las com outros familiares.
Você pode organizar os espaços possíveis em cômodos ou cantos com os materiais para as diferentes finalidades de atividades de trabalho, estudo e lazer.
É possível engajar as crianças com conversas sobre as limitações e restrições necessárias do momento e compreender que nas crianças, por sua vulnerabilidade e dependência naturais, podem surgir ou acentuar-se algumas dificuldades funcionais (no sono e alimentação, por exemplo) ou comportamentais.
As crianças podem até mesmo regredir momentaneamente com relação a algumas aquisições previamente adquiridas, exibindo uma fala “infantilizada”, ou tendo dificuldades de autocuidado e higiene, o que vai exigir maior tolerância e ajuda por parte dos cuidadores, sem punições verbais ou físicas contra as crianças.
Deve-se evitar, de um lado, a negação da realidade ou o enfrentamento mágico e fantasioso, e, por outro lado, o pensamento negativo catastrófico que leva à dramatização, que são estratégias de enfrentamentos emocionais mal adaptativas.
O mais eficaz é fortalecer o exercício de autopercepção de crianças e adultos frente às dificuldades, evitando fugir dos problemas, o que mina a competência da pessoa para lidar com a situação, levando ao desamparo, e à depressão.
Além disso, a manutenção dos alicerces de competência, relacionamento e autonomia do indivíduo são fundamentais para o enfrentamento adaptativo.
Diante de dificuldades para lidar com essas adaptações necessárias em momento de pandemia entre em contato com um serviço especializado para obter aconselhamento profissional, tal como um psicólogo.
Transtornos mentais no Brasil
Medidas de restrição como o lockdown e isolamento social têm consequências prejudiciais heterogêneas à saúde mental e muitas pessoas se mostram resilientes a esses efeitos.
Ou seja, apesar de algumas pessoas experimentarem um declínio acentuado de sua saúde mental de diferentes maneiras e intensidade, outras parecem conseguir se manter mais resistentes.
O transtorno de ansiedade é o segundo maior transtorno mental incapacitante na maioria dos países das Américas, atrás da depressão, sendo que o Brasil é o país com mais casos, apresentando 7,6% da sua população com relatos de sintomas ansiosos segundo recente estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2018.
A pandemia certamente trouxe e continua trazendo sequelas como tristeza, ansiedade, estresse entre outras reações para a saúde mental de todos nós.
Para se tornar um transtorno mental é preciso que os sintomas se encaixem numa categoria diagnóstica como “transtorno de ansiedade” e estejam presentes há mais de um mês, geralmente.
Porém o profissional de saúde mental não se restringirá a uma declaração de sintomas e definição de transtornos mentais, ele acolherá a pessoa à sua frente como outro ser humano, em sofrimento singular de acordo com sua história pessoal.
O psicólogo não cuida de sintomas, ele cuida de pessoas.
Desse modo, é importante lembrar que cada caso é um caso, e é necessária a avaliação profissional de um especialista para se ter um diagnóstico mais preciso bem como o tratamento adequado para casos individuais.
Transtornos de Ansiedade
Sintomas de transtorno de ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, e depressão envolvem destacadamente a ansiedade e podem ser confundidos em suas manifestações por leigos.
Segundo o CID-10, um dos manuais de referência para diagnósticos na área da saúde mental, no transtorno de ansiedade generalizada, por exemplo, a pessoa deve apresentar ansiedade na maioria dos dias, por no mínimo várias semanas, e muitas vezes por vários meses.
Além disso, apreensão, tensão motora e hiperatividade autonômica (sensação de cabeça leve, tonturas, boca seca etc.) também devem estar presentes.
Diagnósticos de episódio depressivo, distimia (que são transtornos de humor) ou transtorno de ansiedade (como ansiedade generalizada ou pânico) também fazem parte da avaliação diferencial realizada por um psicólogo para saber em qual diagnóstico melhor se encaixam os sintomas.
Um transtorno de personalidade definido pelo mesmo manual traz o transtorno de personalidade ansiosa, caracterizado por tensão e apreensão persistentes e evasivas, crença de ser socialmente inepto, desinteressante ou inferior, preocupação excessiva em ser criticado ou rejeitado em situações sociais e outros aspectos que afastam a pessoa do convívio social.
Os conceitos diagnósticos compartilham muitos sintomas e é preciso atenção no diagnóstico para direcionar o tratamento da melhor maneira.
Transtornos do Humor
Temos a distimia, forma de depressão crônica com sintomas menos graves do que a depressão; o transtorno bipolar e a ciclotimia, caracterizados por mudanças do humor que variam de acentuada tristeza para períodos de mania, de muita energia agitação; além de outros transtornos do humor que podem se agravar ou serem provocados durante o isolamento social.
Depressão
Há diferentes subtipos de transtornos depressivos que diferem em traços e distribuição no tempo mas que possuem aspectos em comum como tristeza, desânimo, baixa autoestima, fadiga, insônia ou hipersônia dentre outros sintomas.
Um especialista pode discernir se a pessoa experiencia um episódio depressivo ou sofre de um transtorno crônico que se arrasta por mais de dois anos.
Certamente que o contexto da pandemia e situações como o isolamento social afetam o surgimento da depressão e seus diversos subtipos.
Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT)
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) precisa de um evento externo, ambiental, que dispare os sintomas do transtorno.
Por exemplo, ter sido vítima de um assalto a mão armada pode causar sintomas do TEPT ligados a características do evento traumático que são constantemente ativados.
Sempre que se experimentar uma situação semelhante, num local parecido ou com alguma pessoa que recorde o assaltante haverá sintomas de estresse como taquicardia, ansiedade, transpiração excessiva etc.
A pandemia ou aspectos dela, como o isolamento social, também podem ser provocadores dos sintomas ou do próprio TEPT.
Isso ocorre porque o isolamento social ou outros aspectos da pandemia podem ser vivenciados como rupturas dramáticas na vida da pessoa e esses traumas podem ser relembrados por meio de memórias intrusivas (flashbacks) ou sonhos, por exemplo.
O medo e a ansiedade ligados à evitação do evento traumático surgem como lembretes do episódio original.
A ansiedade e a depressão estão entre os sintomas que podem demorar desde algumas semanas até alguns meses para surgirem, além de apresentarem um curso crônico no TEPT.
Diagnóstico e Tratamento
Como vimos o isolamento social afeta cada um de nós de modo diferente.
O diagnóstico em saúde mental é um processo individualizado que pode contar com algumas fases, desde a recepção do paciente até sua passagem por uma entrevista inicial até testes, dinâmicas ou outros processos avaliativos e/ou psicodiagnósticos.
Diferentes abordagens teóricas e técnicas estão disponíveis para atender necessidades distintas.
Enfoques que privilegiam o momento presente na vida do indivíduo e técnicas de controle e manejo da ansiedade, por exemplo, são alguns dos que são mais utilizados por profissionais.
Essas técnicas fazem parte de abordagens comportamentais e cognitivas como na Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), que observa a relação entre comportamentos e pensamentos ou crenças que promovam uma boa adaptação ou não ao cotidiano particular do paciente e atua para criar ou restabelecer um equilíbrio na vida do paciente.
Por outro lado, temos a psicoterapia psicodinâmica com suas diferentes abordagens que privilegia processos mentais internos, entendendo a mente como uma topologia ou economia de energia psíquica e necessidades potencialmente conflitivas que podem se refletir em ações e num jeito de estar no mundo que traz sofrimento à pessoa.
Há outras abordagens com diferentes técnicas e dinâmicas, mas são todas embasadas cientificamente e utilizadas com critério por psicólogos certificados.
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Os transtornos mentais podem afetar qualquer um em qualquer momento, podem ser episódicos ou manter um curso crônico.
Na pandemia, ainda mais em situações de isolamento, não é de se estranhar que muitos de nós nos sintamos enlouquecidos, ou adoecendo em alguma medida.
Estratégias para manter uma rotina ordeira e a comunicação fluindo com colegas de trabalho, amigos e familiares é um dos desafios que o momento apresenta com o sobrepeso de medidas sanitárias como o distanciamento e o isolamento social.
Há certamente um sobrepeso na rotina de todos nós. Uma carga a mais que nós mesmos nos colocamos, ou que sentimos ser forçada através de família, cônjuge, ou outras pessoas relevantes em nossas vidas.
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Referências
Schmidt, B., Crepaldi, M. A., Bolze, S. D. A., Neiva-Silva, L., & Demenech, L. M. (2020). Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Estudos de Psicologia (Campinas), 37, e200063.
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DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Artmed Editora, 2018.